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Artigo

UM “NÃO” NECESSÁRIO – QUANDO O SILÊNCIO MACHUCA!

access_time 16 de March de 2023

 

Um relacionamento feliz é o desejo de todas as pessoas que escolhem partilhar sua vida com outrem. Casais se formam a partir de sentimentos mútuos como amor, paixão ou até uma bela amizade entre os envolvidos. Com a união, uma vida em comum se inicia e, contrariando as leis da vida, ninguém espera ou deseja que termine. Começam, então, os planos em conjunto, criam-se memórias, os sentimentos tornam-se mais fortes, a intimidade e a conexão se intensificam, o amor cresce e o tão esperado “viveram felizes para sempre” se torna um desafio diário de ajuste de comportamentos e expectativas.

Ok! Este seria o roteiro ideal para se chegar ao “até que a morte nos separe”. Mas acontece que o “até que a morte nos separe”, em alguns casos, pode ser muito tempo e aí, o que era para ser bom se torna um tormento. Em outros casos ainda, não ao acaso para serem irrelevantes, o “até que a morte nos separe” chega a ser literal, mas ao contrário do romantismo que pressupõe o dizer, esta morte não acontece na velhice e nem de forma natural, é uma vida que é tirada de forma banal e impiedosa.

A nossa sociedade (e mundo, de modo geral) enaltece de tal modo as aparências que as pessoas passaram a ver a necessidade de criar e mostrar uma realidade que muitas vezes não existe como uma forma de se enquadrar nela. Ter e mostrar uma relação, uma família e/ou uma vida feliz passou a ser o foco de quem perdeu o foco e a noção e, talvez, não se apercebeu.

“Não basta ser, é preciso parecer” assim disse o Imperador Júlio César nos tempos que já lá se vão quando se referiu à honestidade da, então, sua esposa e, por incrível que pareça, esta frase tem sido praticada ao rigor nos dias atuais. As pessoas estão estranha e verdadeiramente dedicadas a parecer mais do que a ser, se escondendo atrás de suas dores, medos, conflitos e frustrações. Contudo, entre o parecer e o ser, muitos casais têm se distanciando mais e mais das premissas do que é uma relação saudável e, encobertos pelas aparências, se desprendem de valores básicos como o direito de ser cada um quem é, um ser individual, escolhem não perceber o que o filósofo Herbert Spencer escreveu, que "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro" e, quando os sinais de alerta se tornam evidentes e é hora de ir embora, de se afastar e se libertar, as flores, as joias e os encantos que antes eram o motivo para ficar, passam então a acorrentar o sujeito mais vulnerável da relação e a partir daí, então, manter as aparências parece passar a ser a única forma de se manter vivo.

São vários e preocupantes os fatores que fazem com que casais desequilibrados em suas relações se mantenham nelas. Todos os dias, assuntos relacionados à toxicidade nos relacionamentos, à dependência emocional e financeira, ao medo da solidão que leva às pessoas a se agarrarem aos seus parceiros como quem segura a última veia que os mantem vivos, à violência de ordem física e outros tipos de violência como a verbal, a psicológica, e a emocional que muitas vezes são praticadas de forma dissimulada nas entrelinhas, são colocados em pautas de debates sobre relacionamentos.

Muitas vezes, perceber e aceitar que aquele relacionamento que começou como um conto de fadas carregado de expetativas sobre um final feliz, que passou por seus momentos de glória, que foi apreciado e aplaudido por familiares, amigos e até na vitrine de uma vida perfeita exposta à sociedade, se transformou em um espaço de guerra, em uma prisão, em solidão e até em uma causa de morte silenciosa, é a coisa mais difícil de se fazer. O medo do fracasso, do julgamento, a incerteza do acolhimento, a vergonha de se sentir incapaz e insuficiente as mentem naquela prisão onde gritos de socorro são silenciados com um “foi sem querer”, “você mereceu pelo seu comportamento”, “você não vai sobreviver sem mim”, “olha para você, ninguém vai te querer” ou ainda “se você contar a alguém”... atitudes e falas que manipulam e aprisionam a mente de quem realmente acredita ser ali, naquele inferno, seu único lugar de estar.

Medo, medo e mais medo é o fundamento dos relacionamentos abusivos. Há sempre um opressor e um oprimido e, embora, as notícias diárias espalhadas por quase todos os vínculos de informação e redes sociais, revelam um crescimento notável de homens que também sofrem violência em relacionamentos tóxicos e abusivos, é incomparável e lamentável a quantidade de mulheres silenciadas em seus “lares” e relacionamentos, vítimas de abusos e violência doméstica. São muitas as que se calam, são inúmeras as que se anulam dia após dia até que um dia a voz silenciada e os sonhos aprisionados gritam em forma de lágrimas mudas, um olhar vazio focado no nada e um corpo quase sem alma... é a depressão que chegou e ninguém se apercebeu!

É preciso gritar! É preciso entender que há para onde gritar, que há alguém do outro lado da porta pronto a escutar seus clamores e lhe acolher. É fundamental entender que para levantar, abrir a porta e sair, vai ser preciso mais do que coragem. Vai ser preciso se escolher!

Pessoas não são pertences e, como tal, não pertencem à outras pessoas. É preciso entender que a liberdade e a felicidade são direitos intrínsecos ao ser humano. É, impreterivelmente, necessário aprender e compreender que a felicidade é responsabilidade individual. Só assim será possível se libertar das amarras dos conceitos que, dentro deste contexto, são, silenciosamente, compactuados por uma sociedade que aplaude e estimula a permanência em amores desajustados.

É preciso, por fim, entender que assim como os começos, os finais fazem parte do processo do que é o viver. É preciso aprender a dizer basta!

 – Sónia Mutaquiha